O Grupo de Estudos Marxismo e Políticas de Trabalho e Educação vem a público manifestar nossa preocupação com os rumos que vem tomando a educação pública no Estado da Bahia, em especial, na Rede Estadual de Ensino, repudiando a direção da política educacional do Governo Rui Costa (PT). O ano letivo de 2022, ainda sob o jugo da pandemia, se inicia sob forte tensão para professores e estudantes, em um desastrado processo de reforma educacional que evidencia desvalorização e desrespeito aos professores e à autonomia das comunidades escolares.
O governo vem utilizando da truculência jurídica de Portarias e Decretos, para implementar um conjunto de ações que atacam o magistério público estadual, entre estas: o não cumprimento do reajuste do percentual de 33,24% do Piso Nacional para toda a categoria, concedendo reajuste parcial apenas para aquela parte que ganha abaixo do Piso Nacional, achatando ainda mais os salários de ativos, principalmente, de aposentados e pensionistas, em tempos de inflação e carestia causadas pela gestão Paulo Guedes na economia; reduz a oferta de vagas aos estudantes do Ensino Fundamental, Séries Finais, impondo um processo de municipalização das escolas sem diálogo com a comunidade escolar; promove o avanço voraz da destruição da Educação de Jovens e Adultos, com o seu deslocamento para Centros específicos para ofertar essa modalidade de ensino e implementa o Novo Ensino Médio, desprezando os impactos deste reordenamento sobre o trabalho e a vida do pessoal docente vinculado ao Estado; implanta política de aprovação automática em massa dos estudantes da rede nos anos de 2020 e 2021, sem qualquer critério de avaliação dos discentes e sem qualquer plano de apoio aos estudantes com dificuldades; fecha turmas, turnos e escolas, produzindo uma massa professores excedentes na rede estadual de ensino.
O processo de municipalização das escolas estaduais que atendem ao Ensino Fundamental vem sendo realizado de forma abrupta, culminando em várias manifestações de pais, estudantes e professores em toda a Bahia. O governo da Bahia parece querer “se livrar” a todo o custo da obrigatoriedade de garantir a educação para os estudantes desta modalidade de ensino. O argumento de que o Estado “só pode ofertar” o Ensino Médio é falho, na medida em que a LDB em seu artigo 10, inciso VI aponta que o Estado deve “assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio”. Portanto, ainda que a prioridade seja o Ensino Médio, isso não descarta ou desobriga o Estado de ofertar o Ensino Fundamental, ainda mais em um contexto pandêmico como o que estamos vivendo.
No dia 07 de janeiro de 2022 o governo publicou a Portaria Nº 32/2022 que estabeleceu “o contínuum curricular 2021-2022 [...] enquanto persistir o contexto da atual pandemia decorrente da Covid-19”. Essa portaria instituiu “o avanço escolar progressivo para os discentes, mediante o qual se torna corrente a inexistência de retenção quanto à temporalidade do ano de 2021”. Esse “contínnum curricular” já havia sido implementado no ano letivo 2020-2021. Na prática, essa portaria levou à aprovação automática de todos os estudantes da rede, passando por cima da autonomia das escolas e dos docentes que já haviam realizado os Conselhos de Classes. A publicação dessa portaria demonstra não só a falta de seriedade do governo no trato com a educação, como também a tentativa de escamotear os índices educacionais de reprovação e repetência na rede estadual. Ao mesmo tempo, visa reduzir as despesas com os necessários investimentos na educação das crianças e jovens que foram prejudicados com o “ensino remoto” neste ciclo pandêmico. Muito mais do que uma preocupação com a oferta de qualidade da educação pública para o povo baiano, a medida expressa nessa Portaria demonstra o seu alinhamento com as políticas neoliberais defendidas pelos organismos multilaterais que visam, em última instância, o enxugamento do Estado e o rebaixamento da educação da classe trabalhadora.
Outro aspecto que vem contribuindo para a situação de instabilidade na rede estadual é a implantação do Novo Ensino Médio, que, cumprindo Lei Federal, reorganiza de forma abrupta componentes curriculares e o trabalho docente, mais uma vez, sem debate com professores e comunidades escolares. A forma como o governo Rui Costa vem promovendo a reforma da educação no Estado da Bahia, despreza a qualificação dos educadores e pesquisadores progressistas que em todo o Brasil apontam em suas pesquisas o quão nefasto para a formação dos estudantes oriundos da classe trabalhadora será a reforma do Ensino Médio, uma proposta que aponta para a disparidade e a dualidade na educação, sendo perceptível a existência de duas perspectivas da educação: uma proposta com ênfase na formação técnica e outra de formação geral. Essa dualidade pode agravar no interior da própria Rede Estadual de Ensino, a formação de “ilhas” entre escolas referências no acesso ao ensino superior e escolas diretamente ligadas para atender aos interesses do mercado. As principais expressões desta política educacional são o crescente número de escolas profissionalizantes, o fechamento de turmas e escolas ou sua municipalização e a militarização de escolas estaduais e municipais.
Nesse sentido, o governo da Bahia reafirma o seu alinhamento com as políticas educacionais propostas pelos reformadores empresariais que demandaram e aprovaram a Reforma do Ensino Médio. Vale lembrar que, na Bahia, inexistem esforços para barrar a proposta apresentada pelo MEC sob a direção do Governo Bolsonaro. A prova disso é a matriz curricular com a redução da carga horária de disciplinas das diversas áreas do conhecimento, substituindo-as por disciplinas diversificadas e “eletivas” (a título de exemplo: “Projeto de Vida e Cidadania, Iniciação Científica, Produção e Interpretação Textual e Para Além dos Números”. É o negacionismo que na política educacional baiana, subtrai disciplinas científicas fundamentais para a formação geral dos estudantes do Ensino Médio.
Tudo isso, tem resultado em um grande quantitativo de docentes excedentes neste início de ano letivo. Os professores temporários e efetivos, com mais de 10, 15, 20 anos trabalhando em uma mesma unidade escolar, neste momento encontram-se em situação de instabilidade quanto à permanência em escolas nas quais atuaram por anos. Há casos de escolas que poderão ser reduzidas pela metade em sua capacidade de funcionamento e oferta de vagas. Os relatos apontam para 5, 10, 15 professores efetivos excedentes por unidades escolares, quebrando-se a unidade das equipes que conduziam a política escolar em cada comunidade e promovendo imensa instabilidade na vida dos professores, com consequências graves na intensificação do trabalho e na saúde.
Por outro lado, mesmo aqueles professores que não ficarem excedentes e permanecerem em suas respectivas unidades escolares, terão o seu trabalho intensificado, pois precisarão trabalhar com um número maior de turmas para completar a carga horária de trabalho, uma vez que a matriz curricular do Novo Ensino Médio na Bahia reduz a carga horária de parte das disciplinas de formação geral básica. Isso significa mais disciplinas e planejamentos para o professor, mais turmas para lecionar, além da necessidade de trabalhar com disciplinas da “parte flexível”, a exemplo das “eletivas”, construídas muito mais para atender as orientações da Base Nacional Comum Curricular, cujas temáticas são voltadas para projetos de vida, tecnologias e empreendedorismos. O professor acaba se transformando em um empreendedor, ou ainda, um “influecer” da educação, sendo responsável pela construção e efetivação de uma disciplina de ensino. Portanto, será de sua responsabilidade a condução dessa disciplina flexível.
Qual política educacional resulta de um corpo funcional que vivencia sofrimento econômico (face aos salários rebaixados e ao endividamento) e em condições de trabalho precárias e instáveis? Qual formação resulta de progressão sem domínio dos conhecimentos científicos necessários para se situar no mundo?
É preciso destacar que em anos anteriores, situações de professores excedentes sempre foi uma realidade identificada na rede. O processo de matrícula feito através do sistema digital retirou das escolas a autonomia na abertura de turmas e definição da oferta de vagas. Além disso, a definição do quantitativo de estudantes por turmas de 40 a 50 estudantes aponta para salas superlotadas em contraste com o processo de enturmação e reordenamento da rede. Isso coloca os professores numa situação de instabilidade constante e demonstra que o caos na educação pública da rede estadual não pode ser encarado como uma situação contingencial, mas como uma política rebaixada para a educação da classe trabalhadora na Bahia. Uma política educacional que segue o receituário neoliberal elaborado pelos organismos multilaterais para a educação dos países de capitalismo dependente. A principal prerrogativa dos organismos multilaterais é a avaliação dos sistemas educacionais, tomando como alinhamento os indicadores de aprovação/evasão, investimento na educação, gestão e a avaliação em larga escala, que no Brasil, além do PISA, tem o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) como principal parâmetro para indicar se uma escola/sistema de ensino oferece uma educação de qualidade. O Governo Rui Costa subordina-se sem resistência a este sistema de controle da Educação da Classe Trabalhadora em todo o mundo.
Contraditoriamente, o governo que em mais um início de ano letivo desfere o seu “pacote de maldades”, lançando professores em situação de excedência, reduzindo o número de escolas e turmas, principalmente da EJA, comprometendo assim o acesso de estudantes de comunidades rurais e de estudantes trabalhadores, é o mesmo governo que tem como patronos, educadores como Anísio Teixeira e Paulo Freire. O que diriam os seus patronos sobre o reordenamento e enturmação (salas de aulas com mais 40 estudantes)? Qual o diferencial da educação na Rede Estadual de Ensino da Bahia para a Educação de Jovens e Adultos, cuja principal referência é o intelectual que defendeu essa modalidade de ensino? Diante do exposto, reafirmamos a defesa de uma educação pública, laica, que assegure condições de trabalho e estudo a professores, funcionários e estudantes, com financiamento que atenda às necessidades de uma educação de qualidade para toda a classe trabalhadora baiana.
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