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Blog Crítica Prática

A Renania sob a pressão da Era das Revoluções - Notas conjunturais


Hobsbawm reconhece os anos entre 1789 e 1848 como “A Era das Revoluções”, destacando particularmente o período entre 1792 e 1815 como de “guerra ininterrupta na Europa”, cujas “consequências da vitória ou da derrota nestas guerras foram consideráveis”, visto que, “transformaram o mapa do mundo” (HOBSBAWM, 1997, p. 95). Neste período, “as fronteiras políticas da Europa foram redesenhadas várias vezes” (HOBSBAWM, 1997, p. 106). É particularmente interessante acompanhar a reconfiguração da Europa Central neste período, a partir dos mapas oferecidos pelo autor:




Mapas extraídos da obra HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. 10a Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 333-345.


Em 1815, esta reconfiguração da Europa Central naquela região até 1815 nomeada como Confederação do Reno (ou Confederação Napoleônica do Reno – HOBSBAWM, 1977, p. 103) e que a partir de então chamar-se-à Confederação Germânica tem particular importância para a localização da correlação de forças em que nascem Karl Marx (1818) e Friedrich Engels (1820), ambos Prussianos, da Região do Reno, Marx vivendo em Trier e Engels em Barmen:



Hoje:

Imagens coletadas no Google Maps.


A Renania, ou Vale do Rio Reno, parte noroeste do que conhecemos hoje por Alemanha, é a região, “econômica e politicamente mais desenvolvida”, e a que mais sofreu “a influência da revolução burguesa francesa de 1789”. Entre 1818 e 1838, esta região torna-se “[...] teatro de operações militares dos exércitos revolucionários, de levantamento camponeses, de acçoes dos democratas alemães inspirados pelas ideias jacobinas de liberdade, igualdade, fraternidade” (CC do PCUS., 1973, p. 14). A região foi anexada à França pelo Tratado de Preesburg, no período das chamadas Guerras Napoleônicas (1804 e 1815) – como parte dos processos que constituíram as Guerras Revolucionárias Francesas (1792 a 1802). Sob o Império Napoleônico,

[...] o regime foi, no essencial, suprimido: a grande propriedade latifundiária e eclesiástica foi liquidada, os privilégios feudais foram abolidos, foram introduzidos os tribunais de jurados e o Código Civil napoleónico. Tudo isto deu um empurrão ao desenvolvimento industrial da região (CC do PCUS., 1973, p. 14).

Os processos revolucionários burgueses, entretanto, longe de poderem ser reduzidos a uma data, alongam-se por anos, e, “[...] em 1815, por decisão do Congresso de Viena, a maior parte da Renânia voltou a pertencer à Prússia feudal absolutista”.

[...] Aqui os Junkers – aristocratas rurais – conservavam a maior parte dos seus privilégios. Esta casta privilegiada fornecia os quadros para a omnipotente burocracia prussiana e dela provinham os militares de carreira, que implantavam no país o culto do militarismo. Não existiam instituições nacionais representativas. As assembleias provinciais, os Landtag, apenas tinham voz consultiva, e o seu princípio de representação por estados sociais reduzia fortemente os direitos da burguesia. No Landtag renano, por exemplo, Aachen e Colónia, duas grandes cidades, com populações de quase 100.000 habitantes, apenas estavam representadas por três deputados, ao passo que 6520 nobres tinham 20 delegados (CC do PCUS., 1973, p. 14).

Abaixo, o mapa possibilita conhecer os processos de constituição deste vasto território e localizar melhor a Renania, na região 12.




Os Biógrafos de Marx e Engels destacam:


Economicamente a Prússia estava muito atrás da Inglaterra e da França. Permanecia um país essencialmente agrícola, com um proletariado pouco numeroso e fracamente desenvolvido. Os camponeses, sob a dependência semifeudal dos grandes latifúndios, e a pequena burguesia urbana (artesãos e comerciantes) constituíam a maioria da população.

O desenvolvimento industrial fazia, porém progressos na Alemanha. Nas suas diferentes regiões, apareciam focos de produção capitalista, surgiam fábricas e minas, tendo-se iniciado em 1835 a construção das vias férreas (CC do PCUS., 1973, p. 14).


Em 1833, o economista Friedrich List (1789-1846), publica em Leipzig um projeto para um sistema ferroviário alemão, cujo mapa expomos abaixo:



A Renânia estava à cabeça das províncias industrialmente desenvolvidas da Prússia. As bases do feudalismo tinham sido aí a tal ponto abaladas que o governo prussiano não conseguiu liquidar completamente as conquistas da revolução francesa, designadamente não pode substituir o Código de Napoleão pelo direito prussiano. Mas a burguesia renana sentia-se constrangida pelo alargamento à província renana do regime policial e absolutista. Estava descontente com a política fiscal e aduaneira do governo da Prússia, que a defendia mal da concorrência estrangeira, e tornou-se em grande medida o porta voz do espírito de oposição dos círculos burgueses da Prússia e de toda a Alemanha (CC do PCUS., 1973, p. 14).


O mundo de então moveu-se a partir de uma base franco-britânica em um longo período de guerras entre as forças revolucionárias que atendiam aos interesses burgueses de desenvolvimento do capitalismo e forças de restauração que lutavam para manter a ordem feudal e as monarquias.

Hobsbawm nos diz:


A grande revolução de 1789-1848 foi o triunfo não da “indústria” como tal, mas da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe médiaou da sociedade “burguesa” liberal; não da “economia moderna” ou do “Estado moderno”, mas das economias e Estados em uma determinada região geográfica do mundo (parte da Europa e alguns trechos da América do Norte), cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da Grã-Bretanha e França. A transformação de 1789-1848 é essencialmente o levante gêmeo que se deu naqueles dois países e que dali se propagou por todo o mundo (HOBSBAWM, 1997, p. 17).


Estas revoluções operaram como “[...] a cratera gêmea de um vulcão regional bem maior” em direção ao “triunfo do capitalismo liberal burguês” e do aprofundamento da “crise dos anciens régimes da parte noroeste do mundo, que seriam demolidas pela dupla revolução” (HOBSBAWM, 1997, p. 18). Não sem muita luta, nem tão pouco em unidade entre França Inglaterra! A região do Vale do Reno será disputada intensamente entre as forças revolucionárias (burguesas) e reacionárias/restauracionistas (o Sacro Império Romano-Germânico só será derrotado em 1806 – HOBSBAWM, 1977, p. 107). Ainda com Hobsbawm:


[...] a revolução mundial espalhou-se para fora da dupla craterada Inglaterra e da França, ela inicialmente tomou a forma de uma expansão europeia e de conquista do resto do mundo. De fato, sua mais notável consequência para a história mundial foi estabelecer um domínio do globo por uns poucos regimes ocidentais (e especialmente pelo regime britânico) que não tem paralelo na história. Ante os negociantes, as máquinas a vapor, os navios e os canhões do Ocidente – a ante suas ideias -, as velhas civilizações e impérios do mundo capitularam e ruíram. A Índia tornou-se uma província administrada pelos proconsules britânicos, os Estados islâmicos entraram em crise, a África ficou exposta a uma conquista direta. Até mesmo o grande império chinês foi forçado a abrir suas fronteiras à exploração ocidental em 1839-42. Por volta de 1848, nada impediao avanço da conquista ocidental sobre qualquer território que os governos ou os homens de negócios ocidentais achassem vantajoso ocupar, como na a não ser o tempo se colocava ante o progresso da iniciativa capitalista ocidental (HOBSBAWM, 1997, p. 19).


O avanço da revolução francesa com Napoleão significou “uma racionalização geral do mapa político europeu, especialmente na Alemanha e na Itália”, pondo fim, “em termos de geografia política”, à Idade Média. Aparecia, então “o típico Estado moderno, que estivera se desenvolvendo por vários séculos”, enquanto “uma área ininterrupta e territorialmente coerente, com fronteiras claramente definidas, governada por uma só autoridade soberana e de acordo com um só sistema fundamental de administração e de leis” (HOBSBAWM, 1977, p. 106). Explica Hobsbawm:


No auge do seu poderio (1810), os franceses governavam diretamente, como parte da França, toda a Alemanha à esquerda do Reno, a Bélgica, a Holanda e o norte da Alemanha na direção leste até Luebeck, a Savóia, o Piemonte, a Ligúria e a Itália [...] Em todos estes territórios [...] as instituições da Revolução Francesa e do Império Napoleônico foram automaticamente aplicadas ou então funcionavam como modelos óbvios para a administração local: o feudalismo foi formalmente abolido, os códigos legais franceses foram aplicados e assim por diante. Estas mudanças provaram ser bem menos reversíveis do que a mudança de fronteiras. Assim, o Código Civil de Napoleão continuou sendo, ou tornou-se novamente, a base do direito local na Bélgica, nna Renania (mesmo depois de sua reintegração à Prússia) e na Itália. Uma vez oficialmente abolido, o feudalismo não mais se restabeleceu em parte alguma (HOBSBAWM, 1977, p. 108).


Hobsbawm completa:


[...] para os adversários inteligentes da França era evidente que tinham sido derrotados pela superioridade de um novo sistema político, ou pelo mennos pelo seu próprio fracasso em adotar reformas semelhantes, as guerras produziram mudanças não só através da conquista francesa mas também através da reação contra ela. [...] nenhum Estado continental a oeste da Rússia e da Turquia e ao sul da Escandinávia emergiu dessas duas décadas de guerra com suas instituições inteiramente inalteradas pela expansão ou imitação da Revolução Francesa. [...] (HOBSBAWM, 1977, p. 108-109).


Ocorreu nestes tempos uma “profunda transformação da atmosfera política” (HOBSBAWM, 1977, p. 109). No mesmo passo em que a burguesia industrial inglesa e revolucionária francesa revolve as entranhas do antigo regime devassando-o, desenvolvem-se as contradições das próprias relações burguesas em desenvolvimento:


[...] a história da dupla revolução não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa. É também a história do aparecimento das forças que, um século depois de 1848, viriam a transformar a expansão em contração. E mais ainda, por volta de 1848, esta extraordinária mudança de destinos já era até certo ponto visível. [...] dentro da Europa, as forças e idéias que projetavam a substituição da sociedade triunfante já estavam aparecendo. O “espectro do comunismo” já assustava a Europa por volta de 1848. E foi exorcizado neste menos ano. [...] O período histórico que começa com a construção do primeiro sistema fabril do mundo moderno em Lancashire e com a Revolução Francesa de 1789 termina com a construção de sua primeira rede de ferrovias e a publicação do Manifesto Comunista (HOBSBAWM, 1997, p. 18).


Além disso, a experiência da revolução e da expansão francesa, evidenciava outro aspecto que serviria de referência para os intelectuais a serviço da revolução, e para as classes que surgiam das contradições da revolução burguesa:


[...] em 1815 prevalecia uma atitude totalmente diferente em relação à revolução, que dominava a política dos Estados.

Sabia-se agora que a revolução num só país podia ser um fenômeno europeu, que suas doutrinas podiam atravessar as fronteiras e, o que era pior, que seus exércitos podiam fazer explodir os sistemas políticos de um continente. Sabia-se agora que a revolução social era possível, que as nações existiam independentemente dos Estados, os povos independentemente de seus governantes, e até mesmo que os pobres existiam independentemente das classes governantes (HOBSBAWM, 1997, p. 108)


A partir de então, era mais difícil dominar o povo (HOBSBAWM, 1997, p. 110).

Marx e Engels nascem e desenvolvem-se intelectuais críticos do seu tempo neste período de transformações mundiais decorrentes da revolução industrial inglesa e da Revolução Francesa. A maior parte do que estão debatendo individualmente antes de agosto de 1844 (quando se encontram com acordo em suas posições) refere-se aos conflitos internos à Renânia que luta contra a reação movida por Frederico Guilherme III (Rei da Prússia entre 1797-1840) e Frederico Guilherme IV (Rei da Prússia de 1840-1861) (que ocorre no seio do período da Restauração – 1815-1830 – na chamada Santa Aliança entre Império Russo, Império Austríaco e Reino da Prússia), especialmente, o desinteresse da dieta renana pela situação dos trabalhadores empobrecidos pelo avanço das relações de produção capitalistas em contradição com a crise do regime feudal no interior do que hoje conhecemos como Alemanha.


Referências:

CC do PCUS. Friedrich Engels – Biografia. Lisboa/Moscovo: Editorial “Avante!”/Progresso, 1986.

CC do PCUS. Karl Marx – Biografia. Lisboa/Moscovo: Editorial “Avante!”/Progresso, 1973.HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.


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