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Blog Crítica Prática

O EDUCADOR TEM QUE SER EDUCADO - 3a Tese

Curiosamente, esta é uma tese que me parece possuir uma apropriação secundária, ainda que uma significativa militância das esquerdas que constroem as lutas no Brasil estarem dedicadas à formação de professores, atuando em entidades como ANFOPE, ANPED, CNTE.

TESE 3ª

NOTAS PESSOAIS

3

A doutrina materialista acerca da transformação das circunstâncias [Veränderung der Umstände] e da educação [Erziehunge] esquece que as circunstâncias têm que ser transformadas pelos seres humanos, e que o próprio educador tem que ser educado. Ela tem, por conseguinte, que separar [sondieren] a sociedade em duas partes – das quais, uma está alçada acima dela [da sociedade].

O coincidir [das Zusammenfallen] do alterar [Ändern] das circunstâncias e [do alterar] da actividade humana, ou auto-transformação [Selbstveränderung], só pode ser apreendido, e racionalmente entendido, como prática revolucionária [revolutionäre Praxis].

Esta tese refere, simultaneamente, (i) ao fato de que as circunstâncias se movem conforme o movimento dos próprios seres humanos práticos, agentes da transformação material; (2) e que esta mesma movimentação prática [revolucionária] educa os seres humanos práticos. Neste sentido, está a tese dizendo que a educação do educador se dá exclusivamente na luta política? Está esta tese limitando a “transformação material” [a prática], à luta política, e desprezando as dimensões do trabalho e do experimento?

A 3ª das Teses, e a Tese das “Teses”, conforme José Barata-Moura!


Barata-Moura aprofunda cuidadosamente o que está a ser discutido aqui, contrapondo qualquer alusão a uma educação que anteceda ao processo revolucionário, à tese de que é na prática revolucionária que vamos nos transformando.


Parágrafo §1 – Barata-Moura expõe sua interpretação acerca do que a tese trata: 1. A complexidade relacional e retro-activa a que se refere a perspectiva da transformação material (prática) na tese de Marx (BARATA-MOURA, 2018, p. 271);2. Barata-Moura compreende a educação, como “[...] emprateleirada no exclusivo setor da “teoria”, enquanto veículo de transporte pedagógico de uma mobília de “conceitos”, e de afeiçoamento disciplinador de atitudes comportamentais [relativos] ao padrão teoricamente transmitido” (BARATA-MOURA, 2018, p. 271). Não consegui localizar o sentido de “charneira” para além de algo como dobradiça ou dobradura do couro para a aposição e fixação da fivela. Mas Barata-Moura dirá que nesta Tese “a educação” aparecerá desempenhando um papel de “charneira” no que toca ao “trato entre diferentes estratos da realidade e de condições sociais” (BARATA-MOURA, 2018, p. 271).

Barata-Moura distingue, entretanto:

Em Marx

Em outros

A educação constitui, ela própria, um processo transformativo (BARATA-MOURA, 2018, p. 271).

“é por ela que as transformações se consumam

(BARATA-MOURA, 2018, p. 271).

Anota que “o endereço da tese parece tomar duas vias principais”: a crítica dirigir-se-ia ao (i) materialismo francês e britânico das Luzes setecentistas, em outras posições de análise das teses, a crítica dirigir-se-ia ao (ii) socialismo utópico; (iii) uma terceira posição de analistas compreende que estas duas referências interrelacionam-se e vào também estar no pensamento de Feuerbach; (iv) uma quarta posição afirma que não há nada em Feuerbach que tenha provocado em Marx esta reflexão (BARATA-MOURA, 2018, p. 271-272). Barata-Moura afirma, sem desmerecer as demais contribuições, “no pontapé de saída” que levam a estes apontamentos de Marx, “não só Feuerbcah não está ausente, como, ainda por cima, fornece para eles o pretexto próximo” (BARATA-MOURA, 2018, p. 271-272). Como fundamento desta posição anota a existência de correspondência de Ruge e Feuerbach com este objeto, sendo do conhecimento de Marx o conteúdo desta troca de correspondência (BARATA-MOURA, 2018, p. 272). Explica Barata-Moura:

Perante o apodrecimento acelerado das situações políticas no espaço alemão – sem previsível emenda, caso as coisas no mesmo trilho continuem a manter-se -, Feuerbach identifica a carência de um elemento humano novo, portador de uma nova educação que é mister primeiro formar, em titânicas empresas pedagógicas”

[Citando Feuerbach]

Isto é, a batalha educativa depara-se-nos como devendo ser colocada no centro de quaisquer operações que visem efeitos regeneradores.

E a luta tem por trecho uma conquista das consciências. [...] (BARATA-MOURA, 2018, p. 273).

Barata Moura prossegue analisando (com trechos de fala de Feuerbach), a forma como ele vai compreendendo o que precisa ser feito para mover a história. É perceptível ecos da fala de Feuerbcah na Introdução de Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de Marx. Importa também destacar como no texto de Barata-Moura a concepção de teoria vai se metamorfoseando (careço de mais conhecimento acerca deste ponto).


Parágrafo §2 – Barata-Moura trabalha para situar o “património de concepções” que Marx está a mover quando refere à “doutrina materialista acerca da transformação das circunstâncias e da educação”. (BARATA-MOURA, 2018, p. 276-289). Marx está recuperando todo um debate vindo das “Luzes setecentistas” ou do “materialismo educativo do século XVIII”. Neste processo de mostração da abordagem dos problemas recupera as posições de D’Holbach, Diderot, Locke, Voltaire, Condillac, Bacon, Descartes, Kant, Hume, Spinoza, Helvétius e o posicionamento que Engels e Marx assumirão a partir de “A sagrada família” (obra de 1845). Barata-Moura finaliza esta parte anotando:

No entanto, não basta referir a determinância unilateral do ambiente, estabelecer elevados propósitos à actividade educativa, e sensibilizar as autoridades do governo para a maravilha do projeto.

A coisas que faltam na base, no desenvolvimento e na perspectiva. (BARATA-MOURA, 2018, p. 289).


Parágrafo §3 – Barata-Moura passa a dialogar com um “esquecimento” de Feuerbach, um esquecimento que é danoso “na consequência dialética de um materialismo pretendido” e que Marx torna a mover nos debates: “as circunstâncias são transformadas pelos seres humanos”. O próximo inventário refere-se a “um caminho promissor” que “começara a ser desbravado”, “de Montesquieu a La Metrie – passando por Helvétius e por D’Holbach”, como alerta o professor “em contextos diferentes e com acentuações distintas” (BARATA-MOURA, 2018, p. 290).

Em Montesquieu e La Metrie [citados em nota de rodapé], Barata-Moura  recupera um movimento no qual

As leis (no antigamente, em sobrepairo esvoaçantes, ou perenes) dispunham de um “meio ambiente” que as aclimatava ao viver, e o pensar (outrora, em pneumática vaporosa desmaterializado) é detentor de uma endogénese fisiológica que lhe determina o funcionamento” (BARATA-MOURA, 2018, p. 290).

De Montesquieu “São as diferentes precisões nos diferentes climas que formaram as diferentes maneiras de viver” (BARATA-MOURA, 2018, p. 290, nota 44). Em La Mettrié “Se tudo se explica por aquilo que a Anatomia e a Fisiologia me descobrem na medula [...], que precisão tenho eu de forjar um ser ideal?” (BARATA-MOURA, 2018, p. 291, nota 45). Há nestas linhas uma necessidade vital resumida por Barata-Moura da seguinte forma:

As circunstâncias – de ordinário, desatendida, ou mal entendida – transitava para o estatuto da instância a atender. (BARATA-MOURA, 2018, p. 291).

É esta necessidade vital que vai determinando uma viragem, no âmbito da procura pela verdade, na identificação daquilo de fundamental a reconhecer nas realidades: as determinações reais que fundam (i) a necessidade de organizar a vida realmente existente (ii) e o próprio pensar. O problema é que na forma como Feuerbach vai abordar esta necessidade vital, evidencia-se um “colocar da tónica [de um acento maior], [...] “num sistema causal unilateralizado” que diluía “o entramado dialéctico e a concreção material dos processos” que reclamavam uma “compreensão fundada” (BARATA-MOURA, 2018, p. 291). É isto que está em questão na 3ª Tese e aparece mais desenvolvido em “A ideologia alemã”, com trecho citado na página 291 (BARATA-MOURA, 2018, p. 291). Na síntese de Barata-Moura, está em questão que:

Na textura do mundo há relacionalidades em curso, e trabalho incorporado. Os humanos desempenham um papel na modelação efectiva do “fundamento real”, que, a um tempo, “sofrem” e activamente transformam. (BARATA-MOURA, 2018, p. 292).

O trecho de A ideologia alemã citado por Barata-Moura é o que segue:

As circunstâncias fazem tanto os seres humanos, como os seres humanos [fazem] as circunstâcias. Esta soma de forças de produção, [de] capitais, e [de] formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração pré-encontram como algo de dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos se representaram como “substância” e “essência do ser humano”, que eles glorificaram [apoteoticamente] e combateram; um fundamento real que não é minimamente perturbado, nos seus efeitos e influências sobre o desenvolvimento dos seres humanos, pelo facto de esses filósofos – enquanto “auto-consciência” e “Único” – contra ele se rebelarem. (BARATA-MOURA, 2018, p. 291).

[...]

Estas condições pré-encontradas do viver das diversas gerações decidem também se o abalo revolucionário, que na história periodicamente retorna será suficientemente forte, ou não, para derrubar a base de todo o subsistente; e, se estes elementos materiais de um revolucionamento total – a saber: por um lado, as forças produtivas disponíveis, [e], por outro lado, a formação de uma massa revolucionária, que, não só contra condições singulares da sociedade até agora, mas contra a própria “produção do viver” até agora (a “actividade conjunta” em que ela se baseia0 revoluciona [mesmo] – não estiverem disponíveis, então, é totalmente indiferente para o desenvolvimento prático, se a ideia desse revolucionamento já foi centenas de vezes expressa [ou não], como a história do comunismo demonstra” (BARATA-MOURA, 2018, p. 293).

Na estrutura lógica que vai se desenvolvendo nestas teses, Barata-Moura destaca: (1) “As “ideias [...] têm o seu posto”, mas “não é aquele que os idealistas lhe atribuem”; (2) “as realidades (no viso determinado que a acção humana lhes confecciona) têm o seu peso (fundamental, na materialidade que lhe assiste); (3) “e a prática transformadora requer condições materiais de exercício eficaz que, no entanto, não a convertem nem em mecânico resultado de inferência lógica, nem em decorativo ingrediente dispensável” (BARATA-MOURA, 2018, p. 293-294). Destaca ser central, em toda esta “concepção de prática que nestas Teses se esboça, [que] os indispensados operadores das efectivas transformações reais são os seres humanos no seu comportamento vital” (BARATA-MOURA, 2018, p. 294). Aqui, precisa-se em profundidade o problema:

Não é propriamente “a educação” que – em si mesma, e por ela própria – transforma... O que também não significa de todo que ela represente uma componente negligenciável dos processos.

Quer isto dizer que a dialéctica não constitui apenas um instrumento teórico de compreensão da realidade. Começa por ser uma inerência indescartável do próprio devir das intervenções...

Penso que é à luz destes “subentendidos”- e como preparação para que um entendimento correcto deles venha a luzir – que Engels, na forma redacional que a início da frase confere, explicita (aclarando, nas dinâmicas, a doutrina materialista até então a uso) que “seres humanos transformados” são “produtos de outras circunstâncias e de [uma] educação alterada” (BARATA-MOURA, 2018, p. 294).


No Parágrafo §4, destaca outros esquecimentos [deslembranças] “em que estes reformadores sociais materialistas prodigamente manifestavam tendência para incorrer” (BARATA-MOURA, 2018, p. 294), Barata-Moura pontua com destaque “aquela circunstância corriqueira – à qual, no entanto, é difícil de fugir – de que, “o educador tem, ele próprio, que ser educado” (BARATA-MOURA, 2018, p. 295). Neste aspecto, Barata-Moura destaca que “importa inferir” desta nota deixada por Marx, “que o tema da “educação dos educadores” também aparece ventilado no século XVIII”, ainda que “em comentários marginais” (BARATA-MOURA, 2018, p. 294-295).

Recupera na obra de Rousseau (Emílio) passagens em que esta preocupação assoma: “como é possível que uma criança seja educada bem, por quem não tenha, ele próprio, sido bem educado?” (BARATA-MOURA, 2018, p. 295). E a seguir, um esboço de resposta: “lembrai-vos de que, antes de ousar empreender formar um homem, é preciso que o próprio [formador] se tenha feito homem; é preciso encontrar em si [mesmo] o exemplo que se deve propor [ao formando]” (BARATA-MOURA, 2018, p. 295).

Segue com Voltaire, ao formular crítica a Rousseau, que apaga o próprio trecho da obra de Rousseau anotado acima: “O autor desse romance do Emile esqueceu que, para educar bem um jovem, seria preciso o próprio sido honestamente educado” (citando a critica de Voltaire a Rousseau, BARATA-MOURA, 2018, p. 296).

A questão de fundo, que neste debate, se agita, reaparece em Kant: ““O progresso para o melhor”, que há-de “ser esperado” nas condições em que o viver social e político se processa num “Estado”, não se opera “pelo curso das coisas de baixo para cima”, mas “de cima para baixo”; isto é, “ensaiando, em vez da revolução, [a] evolução”, através de esclarecidos programas de formação da juventude”, em que, no entanto, aqueles que “devem efetuar essa educação”, eles próprios, primeiro, “têm que ser educados” (citando passagens da obra de Kant, BARATA-MOURA, 2018, p. 297). Anotando o diálogo que Kant firmará com Helvétius, no qual “surge quase ipsis verbis retomada” a questão da educação do educador reaparecerá “traduzida num quadro alargado de formação de humanidade” (BARATA-MOURA, 2018, p. 297):

O ser humano só se pode tornar ser humano por educação. Ele não é nada a não ser o que a educação dele faz. É de notar que o ser humano só por seres humanos é educado, por seres humanos que igualmente estão educados (Kant, citado por BARATA-MOURA, 2018, p. 297).


No Parágrafo §5, destaca que “a maneira como o materialismo do século XVIII colocava o foco na “educação” trazia consigo, além das limitações e esquecimentos já indicados, uma outra consequência”, referente à “bipartição [ou cisão] do todo social”, com a elevação de uma delas acima “do próprio conjunto que integra”, uma vez que “o arquiteto do edifício moral é o filósofo”, o obstáculo a superar são os preconceitos religiosos e compete às autoridades “sintonizadas com o interesse público, remover as peias” e os que podem cabe “apreender das generosas cascatas de saber que os vão encharcar” (BARATA-MOURA, 2018, p. 298-299). Barata-Moura desenvolve, a nosso ver, explicando este debate em matriz materialista e dialéctica:

A divisão da sociedade em classes supõe a unidade da pertença material a um todo, que, no entanto – economicamente, socialmente, politicamente, culturalmente –, é contraditório. A diferença nos relacionamentos educativos também supõe, ao nível dos patamares que lhe são próprios, essa unidade sistémica.

Aquilo que, porém, nestas posições assoma (e em muitos ecos que repetidamente as repercutem) é apenas um reflexo – esbatido, e superficial – dessa realidade, que mesmo nos tabuleiros da “educação”, possui outro embasamento nas fracturas e outras dinâmicas no desenvolvimento (BARATA-MOURA, 2018, p. 298-299).

Barata-Moura destaca que esta questão da cisão da sociedade em partes não se encontra restrita aos anos 1700. No âmbito do idealismo jovem-hegeliano que apostava numa ““reforma” das mentalidades” a questão ressurge, e a ela Marx e Engels dão combate já em “A sagrada família” (BARATA-MOURA, 2018, p. 300). Em um longo trecho da crítica de Marx e Engels a Bruno Bauer, revelando o cerne da filosofia de Hegel que Bruno Bauer suprime, Barata-Moura recupera o ponto nodal: para os jovens idealista hegelianos “O acto da reconfiguração da sociedade reduz-se à actividade cerebral da Crítica crítica” (BARATA-MOURA, citando Marx e Engels, 2018, p. 300-301).

O pensamento – por si estante, num filósofo encabeçado, livre de quaisquer contaminações mundanas e massificadas degenerescências – dita, comanda, impõe. E o feito da feitura desfaz-se na iluminação de pensamentos (BARATA-MOURA, 2018, p. 302).

Barata-Moura destaca outras expressões modernas de posições semelhantes, especialmente de caráter fascistóide, “continuam a cumprir-se dentro dos parâmetros idealistas daquele divórcio que desatende a unidade dialéctica material dos processos sociais que na realidade histórica se desenvolve” (BARATA-MOURA, 2018, p. 303). Pontua- especialmente, (1) que “a educação” não goza de nenhum estatuto de extra-territorialidade relativamente ao viver social concreto em que se inscreve: que nas suas contradições reflete, acompanha e perspectiva”; (2) que “a “Escola” não é uma “preparação para o mundo” (que, fora das portas, há-de-vir), nem uma “redoma” artificialmente protegida das dilacerações que rasgam o viver”; que (3) “É sempre no espaço e no tempo de uma descoberta do mundo e da vida, que em conjunto levamos a cabo que, transformando, nos educamos”; (4) “E, em clave política, é conveniente dissipar aqueles enganos reformistas que [...] em alvoroço clamam  que uma eventual transformação do mundo apenas poderá ocorrer depois de, primeiro, estarem todos muito bem educados” (BARATA-MOURA, 2018, p. 303).


No Parágrafo §6, Barata-Moura comenta um trecho acrescentado por Engels, em referência à presença da concepção que está a ser criticada nesta tese na obra de Robert Owen. Qual o motivo desta inclusão? Barata-Moura vai rastreando nos estudos críticos de Marx e Engels do “Socialismo Científico”, o profundo enraizamento do pensamento de OWEN no que Barata-Moura nomeia “materialismo educacionista francês” produzido por Helvétius. No seguir da crítica de Marx e Engels a OWEN, particularmente registrada em A sagrada família e posteriormente em Anti-Duhring (mais tarde, em excerto, publicada em O desenvolvimento do socialismo da utopia à ciência). Diz Barata-Moura, em síntese:

Estamos em pleno departamento da reformação social, pelo método pedagógico de uma apropriada engenharia do “carácter”, em que os lanternins da iluminação pública – para este efeito desenhada, segundo os traços da “racionalidade” – devem ficar entregues ao extremoso cuidado, que se aguarda, das autoridades competentemente “alumiadas” (BARATA-MOURA, 2018, p. 312).

Barata-Moura recupera a oposição firme que Owen apõe entre e revolução pela força e pela luta, a revolução pela reforma da consciência. É a isto que Engels alude.


No Parágrafo §7, Barata-Moura dedica este sétimo parágrafo a segunda-parte da 3ª Tese:

O coincidir [das Zusammenfallen] do alterar [Ändern] das circunstâncias e [do alterar] da actividade humana, ou auto-transformação [Selbstveränderung], só pode ser apreendido, e racionalmente entendido, como prática revolucionária [revolutionäre Praxis].

Barata-Moura destaca nesta tese que está em questão “o respondimento materialista dialéctivo” acerca da “exclusividade determinante conferida por outras orientações materialistas “ao circunstancialismo objetivo” (BARATA-MOURA, 2018, p. 316). E, neste aspecto, anota que nesta primeira parte do segundo parágrafo que trata das circunstancialidades, há “um complexo feixe de questões que requer nota, e exame.” (BARATA-MOURA, 2018, p. 316). No enfrentamento do problema, Marx “coloca o nervo da abordagem no enlace dialéctico – determinado, segundo modalidades não-simétricas – que funda a unidade do transformar (objetivo) e do transformar-se (subjectivamente)” (BARATA-MOURA, 2018, p. 316).

Começa por destacar como elemento marcante da dialéctica de Marx, quando desenvolve em seu pensamento a análise aprofundada desta “re-flexividade inerente numa acção transformadora”. Expli que em Marx,

Não estamos de facto perante nenhum regresso ao “activismo” da “consciência’, erigido em prévio requisito capital das modelações (porventura, teleologicamente) intentadas.

Em causa, está, [...]

Que não é instância, mas processo. E que, na sua própria enunciação, não deixa de apresentar traços de uma singeleza, que só não é desarmante, porque na verdade, em arma se pode converter:

Transformando materialmente o que está “fora”, o “dentro” do transformador – assim como os seus comportamentos – também se transformam.

Do ponto de vista ontológico, adquire esta asserção o relevante significado de que, na concretude mesma de um agir prático (ou seja, materialmente transformador), a determinação não é simplesmente “unidirecional”, não está em exclusivo voltada para o objecto que, com e nessa função, se modifica. O próprio acto envolve, em si mesmo, uma complexidade maior de dimensões em entrelaçamento.

Em embasamento materialista dielectico usada, a categoria de “acção recíproca” configura um dispositivo com exercício numa ontologia relacional que, no entanto, e este traço é decisivo para muitas demarcações relativamente a outros generalizados empregos idealistas da expressão – não exclui, mas antes reclama, pesos assimétricos na determinância.

[...] a transformação do mundo é também transformadora dos agentes. (BARATA-MOURA, 2018, p. 319-321).

Este

“Retro-efeito” e “re-flexividade” não são de todo sinônimos de “equivalência” automática quanto ao poder determinante, nem uma caldeirada de “co-relações” e de “multi-factorialidades” em que a materialidade do “osso” acaba por se dissolver num caldo idealista.

Dentro deste enovelado de parâmetros entendida e praticada, a transformação do mundo é também formadora dos agentes. (BARATA-MOURA, 2018, p. 319-321).

Após anotar querelas referentes aos questionamentos quanto à maior ou menor fidelidade de Engels ao pensamento de Marx, Barata-Moura prossegue, desenvolvendo o processo de “auto-transformação” a que Marx e Engels se referem, destacando que ambos “[...] continuaram a pensar o processo e a nos processos intervir, nos precisos termos dialécticos que a expressão reflecte e condensa” (BARATA-MOURA, 2018, p. 319-321).

Passa a recuperar a cronologia de seus posicionamentos, anotando as passagens de obras que remetem ao modo como pensam a “re-flexividade”:

  • Em A ideologia alemã, em debate com Max Stirner, dirão: “Na actividade revolucionária, o transformar-se coincide com o transformar das circunstâncias” (BARATA-MOURA, 2018, p. 321). Nesta resposta, apresenta-se um “alcance social, político e prático” que evidencia que “Na unidade de um mesmo movimento objetivo – em que a intervenção materialmente transformadora exerce –, a retroacção subjectiva também produz o seu efeito reconfigurador sobre os agentes” (BARATA-MOURA, 2018, p. 323). Prossegue, em síntese:

A transformação revolucionária – na materialidade do seu próprio realizar-se – igualmente revoluciona os seres humanos que a levam. Acabo. A educação constitui decerto um não despiciendo património de partida (que tem que ser acautelado), mas, existindo as condições para que posa ser empreendida, a viagem transformadora, nos conturbados da sua vicissitude, também educa (BARATA-MOURA, 2018, p. 323).

Sob esta perspectiva, Barata-Moura afirma ser paralisante (“devém paralisante alinhamento abstrato, que das dinâmicas concretas do real se alheia”) propor que a mudança dependa de forma antecedente da formação/educação (como constata-se no pensamento de Max Stirner (ver nota 94, p. 322).

  •  Em A guerra civil em França, Marx retoma o tema advertindo à classe trabalhadora que para realizar “a sua “própria emancipação” [...], terá que “passar por longas lutas” [...], “por uma série de processos históricos [...] que transformam as circunstâncias e os homens” (BARATA-MOURA, 2018, p. 323);

  • Em 18 de Brumário de Luís Bonaparte (1852), “Marx fala de agentes sociais – revolucionários – que, “em épocas de crise revolucionária” [...], estão ocupados “em criar algo de ainda não existido” [...], ou seja”” em revolucionar-se a si, e às coisas” (BARATA-MOURA, 2018, p. 324);

Barata-Moura anota que a “re-flexividade apontada não é apanágio exclusivo da prática de revolucionamento (numa estrita acepção económico-política), mas se estende a, e abrange, qualquer domínio humano da transformação material” (BARATA-MOURA, 2018, p. 325). Remete-se ao conceito de trabalho em Marx:

  • Em “O capital”, Capítulo 5: “Ao operar, por este movimento [isto é, o trabalho], sobre a Natureza fora dele, e a transformá-la, ele [o ser humano] transforma, simultaneamente, a sua natureza própria” (BARATA-MOURA, 2018, p. 325);

Barata-Moura anota sobre esta passagem: “O trabalho não é apenas a exercitação de um potencial eterno numa “essência” imutável contido. Pelo contrário: A “natureza” antropológica dos homens forma-se, e trsnaforma-se, na historicidade concreta de um viver” (BARATA-MOURA, 2018, p. 325). E reforça que aqui nestas teses que se desenvolvem ao longo de sua obra, Marx está a pensar “em modo materialista dialecticamente consequente” (BARATA-MOURA, 2018, p. 325).

Mas há precursores para este problema que Marx está a pensar (o da re-flexividade entre ação e auto-formação), “desde diferentes quadrantes, e baterias de supostos, ensaiada” (BARATA-MOURA, 2018, p. 325). Entre estes, Hegel e Rosseau, cujas passagens são destacadas entre as páginas 325 e 326.


No Parágrafo §8, que Barata-Moura nomeia “Remate”, registra ainda alumas notas:

O coincidir [das Zusammenfallen] do alterar [Ändern] das circunstâncias e [do alterar] da actividade humana, ou auto-transformação [Selbstveränderung], só pode ser apreendido, e racionalmente entendido, como prática revolucionária [revolutionäre Praxis].

(1)     Destaca o significado epistemológico de “apreender” e “entender racionalmente”. Anota que “uma relação também pode ser apreendida”, não sendo esta expressão (em todo o seu contorno epistemológico) utilizável apenas para “uma “apreensão” de objectos sob a forma de unidades discretas desgarradas, que, depois, uma determinada actividade mental se encarrega de compor, e de organizar, em constelações” (BARATA-MOURA, 2018, p. 328). Anota que a “relacionalidade encontra-se inscrita no próprio real – que não se cisrcunscreve às “coisas” atomizadas – e, a partir dele é reflectida [...]” (BARATA-MOURA, 2018, p. 328).

Por sua vez, o uso da expressão “entendimento” revela que “susceptível de facultar inteligibilidade não dispensa o qualificativo de racional”, sendo compreendido “num quadro (objetivo e subjetivo) de razão” (BARATA-MOURA, 2018, p. 329). Barata-Moura explica:

Significa isto que se compreende, num quadro (objetivo e subjectivo) de razão. Na busca do fundamento/razão que materialmente articula a imediatez de um dado (não bastando o exame da correção lógico-formal abstracta das inferências), e no emprego discursivo de uma racionalidade processual que recompõe, unifica, e com-preende, a deveniência (múltipla e dialectica) dos entes que, na eventualidade, são tomados como “objecto”.

No uso que desta terminologia é feito por Marx (e por Engels), está patente a profundidade com que o legado de Hegel é assumido, e, no alcance, transformado (BARATA-MOURA, 2018, p. 329).

(2)     A primordial “comunidade educativa” encontra-se na “indispensável vivência política”:

A educação não se processa em regime de extra-territorialidade mundana, e de unidirecional ditado. Todo o viver se encontra repleto de dimensões educativas, que, por sua vez, importa vitalizar na perspectiva de um acionamento efectivo.

As circunstâncias educam, mas é também numa cisrcunstância intervindo que nos educamos. A materialidade objectiva não despede a dialéctica dos comportamento[s] de auto- e de hetero-transformação. (BARATA-MOURA, 2018, p. 331).

(3)     Barata-Moura anota que por ocasião da escrita das teses, em 1845, “a revisitação crítica do materialismo educativo setecentista” já “havia permitido” uma viragem que leva a um outro rumo (BARATA-MOURA, 2018, p. 331). As circunstâncias determinam, mas são modificáveis. E é necessário apanhar a questão para além da perspectiva de “um indivíduo singularizado” (BARATA-MOURA, 2018, p. 331). Em A sagrada família, Barata-Moura localiza o desenvolvimento desta tese:

Se o ser humano é formado pelas circunstâncias, então tem que se formar humanamente as ciscunstâncias. Se o ser humano, por Natureza, é social, então ele só desenvolve a sua verdadeira natureza na sociedade, e tem que se medir o poder da sua natyreza, não pelo poder do indivíduo isolado, mas pelo poder da sociedade (Marx, citado por BARATA-MOURA, 2018, p. 331).

As realidades circundantes, e circum-agentes, têm o seu peso na “formação” dos seres humanos. Inclusivamente, quando, por desgraça, este assume o unidimensionamento viso da “formatação”.

No entanto, a dialecticidade inscrita no real compreende também movimentos de outra natureza retorsa.

As próprias “circunstâncias” – que, imediatamente, se apresentam como algo de dado – possuem uma gênese no frontispício de “positividade” que ostentam, carregam contradição no devir que trans-portam, são elas mesmas trans-formáveis, e trans-formandas, por uma prática humana, na materialidade do mundo situada, revestida de expressão social e com alcance societário.

Os seres humanos “padecem” numa realidade que também transformam. E, transformando o real, igualmente, eles próprios se transformam.

Ontologicamente, é no âmbito da unidade material do ser que esta dialéctica historicamente se processa. Com assimetria no que toca ao poder determinante – não vale tudo, nem tudo se equivale –, mas sem “unilateralidade” de “automatismo” na determinação. (BARATA-MOURA, 2018, p. 332).

(4)     Recupera e corrobora a síntese de Mariátegui: “{...] os dialécticos do materialismo histórico” [...] compreenderam (e, pelo menos, desde 1845, interiorizaram) este requerido embasamento de uma prática revolucionante” (BARATA-MOURA, 2018, p. 332). Ao mesmo tempo, anota outras formas de apropriação deste debate que passam longe de tê-lo compreendido, citando-se Miguel de Unamuno.

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