Elza Peixoto 19.10.2020
“Há uma desvalorização efetiva de uma força de trabalho determinada cuja especificidade da contribuição na produção da mais valia encontra-se insuficientemente investigada, mas já anotada em suas múltiplas determinações”
No debate educacional brasileiro podemos encontrar a expectativa de que algum dia seja implantado no Brasil um Sistema Nacional de Educação . A história da educação , entretanto, vem evidenciando como este projeto resta frustrado, tornando inconclusa até mesmo a simples projeção de um Sistema Nacional da Educação. Podemos apontar como fundamento desta dificuldade a profunda divisão da formação social brasileira em frações de classes de proprietários de forças produtivas que, a partir de seus interesses particulares atrelados às posições que ocupam nas relações de produção, estabelecem demandas diversas para a educação , sem admitir qualquer possibilidade de superação de uma perspectiva de educação dual, estabelecendo-se, pelo contrário, claramente os limites para a educação da classe trabalhadora. Há, entretanto, um movimento fortalecido em direção a um controle mais contundente do empresariado sobre a formação da classe trabalhadora no Brasil e na América Latina cujos marcos estão no Movimento Todos pela Educação , e Rede Latino-Americana de Organização da Sociedade Civil para a Educação – REDUCA (Lançada em 2011) . Quando a demanda pela educação estava represada pela subordinação do Brasil à condição de produtor agrário (a bibliografia disponível é vaga quando se trata dos dados sobre as escolas públicas realmente existentes até o último quinquênio do século 20 , sua distribuição pelo território nacional e as condições efetivas em que estão funcionando), esta divisão aparecia de forma mais simples entre segmentos de escola confessional que tinham a tarefa da educação da classe média e alta (rede Batista, Salesiana, Marista, Sacramentina, Jesuítica etc.) e as escolas públicas que não atingiam a toda a demanda por educação no Brasil. À medida em que avança a crise do capitalismo, especialmente após os anos 70, vão se colocando as demandas por reestruturação produtiva visando a preservação dos percentuais de lucro do capital. As contradições relativas à expansão da exploração da classe trabalhadora pela intensificação do trabalho em decorrência da automação associada à robótica; os processos de automação das industriais nos diversos ramos que levam à expulsão dos trabalhadores da esfera produtiva e ao desemprego em massa; a organização dos trabalhadores em sindicatos e partidos, têm especial impacto na América Latina entre os anos 1990 e 2000, que, entre outras determinações que devem sempre ser averiguadas, colocam novas exigências de caráter técnico e ideológico, obrigando ao capital a uma mudança de posição na relação com os trabalhadores (governos de coalizão) e a uma reestruturação da formação da classe trabalhadora. A preocupação com a formação da classe trabalhadora em todo o mundo já vinha sendo encaminhada para o (e absorvida pelo) Brasil por UNESCO/OIT , ainda que tenha sido executada em períodos bastante posteriores à sua elaboração, restando inconclusa nesta fase de avanço do ultraliberalismo (o que indica que a política para a formação de professores está mudando drasticamente). Este processo de reestruturação, entretanto – apontam os especialistas – não significou maior qualificação, pelo contrário, fez avançar o rebaixamento da formação dos professores (e de toda a classe trabalhadora) ao trabalho simples . A escola estatal fica com a função restrita (de interesse privado) de contenção do exército industrial de reserva – a imensa massa de desempregados , e é no seio desta estrutura que o professor se faz contraditoriamente. Dos anos 70 para cá, o capital avança de forma mais agressiva sobre a educação tomada efetivamente como mercadoria com um valor de uso muito particular para os próprios capitalistas. Entre estes a (i) conformação ideológica dos segmentos da força de trabalho de que pretendem se utilizar ; (ii) formação técnica da força de trabalho nos ramos em que esta é excessivamente dispendiosa para ser realizada sob as expensas do empresariado ; (iii) promoção da circulação das mercadorias no âmbito das tecnologias da comunicação e da informação, em que incluo o próprio livro didático e os programas e pacotes educativos; (iv) porta privilegiada para o assalto aos cofres públicos via “compra” de vagas na rede privada de educação . Na esteira destes interesses muito concretos, os capitalistas promovem a expansão privada da exploração da educação, que vai (i) da abertura de escolas profissionalizantes superespecializadas na própria esfera pública; (ii) à constituição de uma rede de entidades não governamentais que vão produzindo projetos educacionais de interesse dos capitalistas; (iii) à constituição de empresas de produção e comércio de meios de ensino; (iv) ao esforço de garantia que representantes de seus interesses privados ocupem postos no poder público; (v) a processos de especulação financeira. Esta expansão depara-se com os interesses contraditórios de redes privadas de ofertas de serviços presenciais e redes de ofertas de serviços on line. Esta diversidade de interesses produz uma complexa rede de educação estatal e privada que vai da educação infantil ao ensino superior ofertada pelas mais variadas instituições, marcadas por uma política pública orientada em última instância pelos interesses da acumulação privada. Formam-se diversas sub-redes de caráter confessional, associadas ao capital financeiro, à formação para o comércio, à formação para a indústria extrativista e de transformação, à formação para o manejo dos transportes e equipamentos agrícolas, acompanhando a diversidade dos setores produtivos, quando esta diversidade existe, em uma parcela cada vez mais reduzida de oferta e controle estatais. Sob esta condição, falar genericamente em “professor” nada possibilita conhecer acerca do modo como esta atividade vem sendo desenvolvida a depender do segmento que estamos estudando. O processo complexo de análise da organização das forças produtivas no Brasil, e da qualificação para atender às suas várias demandas, possibilita reconhecer que há diversidade que se esconde por trás desta abstração “professor” . Podemos dizer que, de forma geral, o debate brasileiro acerca das condições de trabalho e da carreira dos professores se refere a um segmento significativo de servidores públicas que atuam na rede de educação básica estadual e municipal . Mas este universo não esgota a imensa massa de pessoal que atua neste ramo, que, justamente pela flexibilização das leis trabalhistas, torna-se cada vez mais oprimido e subsumido a uma atuação isolada, em precárias condições de trabalho, alto índice de concorrência – em função do exército industrial de reserva que agrava a instabilidade no emprego – e sem amparo organizativo sindical. É sobre este pessoal que hoje incide a maior pressão dos interesses diversos de caráter privado na educação, que se movem na contradição entre a estrutura de educação presencial que montaram e o avanço dos projetos de educação à distância e outras ferramentas que sustentariam o projeto de educação domiciliar. A pandemia pesa significativamente sobre estes segmentos, em constante pressão para o retorno ao ensino. A principal força de reivindicação organizada por uma educação estatal e pública, que, por dentro do sistema estatal da educação, vem se contrapondo ao avanço do projeto do capital para a educação da classe trabalhadora foram os professores da educação básica (municipal e estadual) e do ensino superior estadual e federal (associados aos estudantes da escola pública organizados em suas entidades estudantis) contra o desmonte da parca educação pública nas mais variadas formas em que consegue subexistir na formação social brasileira ! Trata-se de uma significativa e representativa parcela de servidores públicos, que gozando de estabilidade, tem pressionado em contrário aos interesses do capital. Esta categoria constitutiva da abstração “professores” inclui aqueles que atuam na rede municipal de educação de cada um dos 5570 municípios de Sul a Norte do país, extremamente desiguais na infraestrutura escolar, nas carreiras e nos salários que percebem. Estão ai também os professores da rede pública de educação básica de cada um dos 26 Estados da Federação, com infraestrutura escolar, carreiras e salário próprios à situação econômica de cada um. Da mesma forma, 69 Universidades Federais somam-se à Rede Federal de Educação, composta por 38 Institutos Federais, 02 Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), 22 escolas técnicas vinculadas às universidades federais e o Colégio Pedro II. Estamos falando de uma categoria profissional – professores da educação pública – que no Anuário Brasileiro de Educação Básica (2019) aparece composta, apenas na educação básica, de 4.856,434 (quatro milhões, oitocentos e cinquenta e seis mil e quatrocentos e trinta e quatro professores). Não estão incluídos ai os professores do ensino superior público e dos institutos federais. O professorado deste conjunto de instituições vivencia de forma muito diferenciada (nos salários, nas carreiras, nas condições de trabalho e nas demandas que apresentam a depender das condições próprias de cada local de trabalho) as pressões de um modo de produção que acelera e rebaixa a formação da classe trabalhadora. Mas foi protagonista (das mais variadas formas) das lutas pela educação pública no Brasil, e este é o grande crime cometido que a leva a ser uma das categorias mais massacradas na atual conjuntura, convertendo-se no grande contingente que a perspectiva ultraliberal de controle das forças produtivas e do Estado deseja eliminar! É pois, sob esta conjuntura de dificuldades diversas – que incluem (i) violência na sala de aula, (ii) o assédio moral no interior das escolas, (iii) a repressão política dos professores via o projeto de escola com partido único; (iv) a opressão de cargas horárias extensas e intensas de trabalho , (v) precárias condições de trabalho e ausência de suporte material para viabilizar o desenvolvimento do trabalho pedagógico; (vi) o represamento de acesso à qualificação efetiva para além das certificações com chantagem para ascensão nas carreiras; (vii) o arrocho salarial que não possibilita a tranquilidade necessária para trabalhar e viver; (viii) a responsabilização pelo fracasso de um sistema educacional feito para eliminar trabalhadores dos fluxos de formação e de acesso ao trabalho – que, outra vez mais, neste 15.10.2020 os professores recebem, pelas diversas redes sociais e pelos meios de comunicação profissionais, uma profusão de homenagens que, de forma absolutamente abstrata, proclamam sua essencialidade... O apanhar das múltiplas determinações daquilo que é o exercício da profissão de professor na formação social brasileira é bem mais bruto... e mostra diariamente aos professores o quanto o seu trabalho é objetivamente desvalorizado, evidenciando para cada um a condição muito concreta daquilo que é ser professor. De Fernando Henrique Cardoso (Presidente do Brasil entre 1995 e 2003) a Milton Ribeiro (Ministro da Educação do Governo Bolsonaro), temos apenas 19 anos de pronunciamentos e condutas que por todo o Brasil, e bem mais longe na história, evidenciam as contradições desta tal “essencialidade”. Desde o hiper-responsabilizar-se o indivíduo pelo “assegurar uma educação de qualidade para todos” podemos ir apanhando determinações que vão evidenciando uma política de formação e de profissionalização muito distante daquilo que propagam os elogios da relevância social da “missão” professor. Peguemos o que é considerado o “mais avançado”. As metas 17 (“valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente”) e 18 (“assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as) profissionais da educação básica”) da Lei 13.005 (que todos nós sabemos que encontra-se objetivamente revogada), naquilo que anuncia, evidencia o quadro no qual nos encontrávamos em 2014 quando a lei foi promulgada (25.06.2014). Exatamente em 2014, após 11 anos de governos democrático-populares, e 07 anos passados da publicação do diagnóstico da situação dos professores no Brasil, estão sendo projetados para 10 anos à frente (a) a valorização tomada como sinônimo de equiparação salarial a outras carreiras com níveis de escolaridade equivalente, o que evidencia que os professores da educação pública ganham mal em relação ao mesmo nível de escolaridade de outras carreiras; (b) projeção de políticas de incentivo à proposição e desenvolvimento de planos de carreira para os professores da educação básica nos municípios, que evidencia o descaso com que os professores são tratados nos diferentes rincões do país. Há uma desvalorização efetiva de uma força de trabalho determinada cuja especificidade da contribuição na produção da mais valia encontra-se insuficientemente investigada, mas já anotada em suas múltiplas determinações . Um passo decisivo pode ser – para além de traçar tipos ideais, para além de diagnósticos que, em última instância, chegam sempre à conclusão que o problema está na qualificação dos professores – abrir o jogo sobre o projeto do capital para a classe trabalhadora e explicar a situação dos professores à luz desta análise! Não contamos com o apoio dos meios de comunicação. Contamos exclusivamente com nossa capacidade organizativa. Contamos apenas com o trabalho militante de diálogo com nossos pares da educação básica, principais vítimas de um projeto de contenção de classe que executam de forma estranhada. Os educadores têm sido educados na experiência da luta de classes e aprenderam com ela! E isto passa sim pelo reconhecimento das relações que promovem a precariedade no chão da escola. Não é suficiente dizer que o capital tem um projeto próprio para a educação dos trabalhadores. É fundamental evidenciar os instrumentos de que o Capital se utiliza para a contenção de uma imensa massa de crianças e jovens para os quais não há projeto de futuro, para os quais os professores funcionam socialmente como capatazes! Toda a abnegação do mundo é incapaz de superar a natureza da tal essencialidade que o capital já percebeu que os professores não querem cumprir!! Justamente, porque foram os professores os que combateram a degradação da educação, e aprenderam com e ensinaram aos estudantes a lutar para superar este projeto rebaixado de futuro que o Capital vem lhes reservando Estamos sendo eliminados porque não somos mais suficientes para o projeto do capital de e realizar a contenção dos trabalhadores e expandir a acumulação privada. É exatamente aqui, no seio desta imensa fragmentação que a categoria “professores” esconde, que assume particular relevância todo o segmento sindical que organiza esta vasta categoria!!! Exige de nós toda a atenção quanto aos rumos que estas organizações estão tomando na efetiva disputa pela educação da classe trabalhadora estatal e pública! Há aqui um projeto de soberania a disputar de forma organizada, não orientados pelos princípios do liberalismo, mas de acordo com os interesses dos trabalhadores!! Os professores estão dispostos a lutar!! E suas organizações sindicais?? Nesta conjuntura inscrevem-se as eleições para o ANDES-SN, que manteve-se resistente a nna luta em defesa da educação estatal de interesses público!! E é esta a questão de fundo que exige que não vacilemos na escolha dos nossos dirigentes sindicais!! É esta a conjuntura que demanda a opção política e sindical pela Chapa 1 – Unidade para Lutar! Originalmente publicado em: https://www.histedbr.fe.unicamp.br/colunas/artigos/8414
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