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Blog Crítica Prática

A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DE VERDADE - 2a Tese


Esta é a tese mais apropriada pelo debate marxista no campo da educação, particularmente, no debate da militância de esquerda, que reivindica este fragmento das teses, para afirmar a soberania da prática em relação aos estudos teóricos (mais relevante é fazer que estudar, este segundo criticado como diletantismo). É particularmente relevante ver bem como a apropriação desta tese vai resultar, inclusive, na negação do estudo da obra de Marx tomados como marxologia, ou um caminho estéril a partir do qual alguns marxistas evitariam o caminho da luta política.

No âmbito da educação, esta tese tem sido absorvida na forma mais pragmática: conhecemos a educação porque promovemos uma relação continuada de experiência com a escola e o trabalho dos professores. Assenta-se aqui a defesa das 800 horas de prática de ensino e estágio, o PIBID e a residência pedagógica.

TESE 2ª

NOTAS PESSOAIS

A questão de [saber] se ao pensar humano cabe verdade objectiva [...] – não é nenhuma questão da teoria, mas uma questão prática. O ser humano tem que provar, na prática, a verdade – isto é, [a] realidade [efectiva]  - isto é, a realidade e o poder, a citerioridade – do seu pensar. A querela acerca da realidade [efectiva] ou da não realidade [efectiva] do pensar – [do pensar] que está isolado da prática – é questão puramente escolástica (MARX, 1845  grifos meus).

Aqui, a questão mais funda refere-se ao problema secular ao problema da verdade na correspondência do pensado com a realidade pensada.

Em Marx e Engels, o teste, a prova do pensamento verdadeiro está na transformação material das realidades.

 

Vejamos agora como Barata-Moura trabalhará os debates em torno dos quais Marx produz esta segunda tese.

1.        Parágrafo 1 - Barata-Moura destaca que na tese estão em movimento questões relacionadas à “verdade objetiva”, que possui “largo cadastro” no âmbito da teoria do conhecimento, referindo-se tanto ao “estatuto da verdade” quando à “objectividade” do verdadeiro. Recupera a posição de Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Protágoras, Fichte, Stirner, James, Schiller, Hegel, Kant, Marx. Em síntese da posição deste último, diz:

No contorno materialista em que Marx situa o seu enfoque ontológico, “verdade objectiva” denota a correspondência do subjetivamente pensado – num processo dialético de interações que nada têm de automatismo linear – com a materialidade do ser.

Ou seja – e a despeito das intenções visadas por outros entendimentos da questão -, não se trata apenas da consistência do pensado com o pensado (da lógica coerente de um discurso), ou da “tonalidade” subjectiva do assentimento que acompanha aquilo que se pensa (o respitável cuidado pela certeza).

Todas estas dimensões integram o complexo novelo da verdade, reflectindo uma pluralidade de aspectos que, na instância própria para que remetem, não podem ver-se negligenciados. Todavia, no que diz respeito à verdade objectiva, é imprescindível não perder de vista aquilo que na sua determinação é determinante.

É acerca de um mundo materialmente objetivo que se pergunta pela verdade, e é na materialidade objectiva desse mundo que, por sua vez, o “verdadeiro” há-de lograr comprovação. (BARATA-MOURA, 2018, p. 207).


2.        Parágrafo 2 – Barata-Moura destaca que em Marx, “a verdade objectiva não constitui “nenhuma questão de teoria”. (BARATA-MOURA, 2018, p. 207). Ante à posição declarada por Marx nesta tese, a questão que soa como alarme é:

A “verdade” releva do “conhecimento”, tem nele sua sede; e vem proclamar-se, agora, que a objectividade dela transgride as fronteiras do território em que o “próprio” conhecer se instala?

Não estaremos, com este passo incauto, a precipitar-nos pelas ribanceiras de um “materialismo metafísico” em compungida romagem de saudade de uma defunta e enterrada gnosiologia “primitiva”, toscamente “pré-crítica”? (BARATA-MOURA, 2018, p. 208).

Destaca que a “interrogativa tem adeptos e endereço antimaterialista (que tem como alvo Engels e Lenin) citando em nota, entre os críticos, as obras de Merleau-Ponty, Karl Korsh ou Kolakowski. Anota a invocação de Kant como recorrência, destacando: “ele próprio não deixa de colocar o problema, para lhe aviar, no entanto, uma “solução” no regime do seu idealismo transcendental. Expõe:

Kant apercebe-se com nitidez do “osso” que torna a digestão impossível, se o encerramento na imanência do lógico não for, de alguma maneira, quebrado. (BARATA-MOURA, 2018, p. 208).

Explica que Kant, “em termos operacionais”, “adopta como moldura” o “chamado “modelo clássico””, no qual “a verdade emerge somente no plano do “juízo””, e “enquanto “adequação” ao objecto a que se reporta” (BARATA-MOURA, 2018, p. 208-209). Cita:

Ora eu só posso porém, comparar o objecto com o meu conhecimento, pelo facto de que eu conheço. O meu conhecimento deve então comprovar-se a si próprio, o que, porém, para a verdade, está ainda londe de ser suficiente. Pois, uma vez que o objecto está fora de mim, e que o conhecimento está em mim, eu, no entanto, só posso sempre ajuizar se o meu conhecimento do objeto se adequa ao meu conhecimento do objecto” (KANT, traduzido e citado por Barata-Moura, (BARATA-MOURA, 2018,209)”.

Barata-Moura destaca que Kant percebe o problema, mas propõe uma saída: distinguindo “verdade formal” (concordância do conhecimento consigo mesmo) de “verdade material” (adequação de um dado conhecimento com o correspondente objecto determinado a que este objecto se refere) (BARATA-MOURA, 2018, 210). Com este encaminhamento, Kant consegue: (1) banir a possibilidade de existência de um critério material universal para a verdade; (2) surpreender aquele divórcio ontológico que afecta a lógica formal abstracta e infecta as pretensões exclusivistas do formalismo; (3) capacitar-se de que, para chegar ao encontro do ser, é preciso colher informações que obrigam a sair “para fora da lógica” (BARATA-MOURA, 2018, 210-211 – atenção, conferir e destacar o que é citação direta de Barata-moura – revisar).

Barata-Moura anota e explica: Para Kant, “a simples correção formal de um conhecimento não é suficiente para nos dar a verdade material”. “O critério material do conhecimento verdadeiro não pode dispensar “a experiência””. O critério material do conhecimento exige ir para fora da lógica (BARATA-MOURA, 2018, 212). “Não haveria fundamento para que juízos de outros necessariamente tivessem que se adequar ao meu se não houvesse a unidade do objecto”(Kant citado e traduzido por Barata-Moura, conferir a citação, (BARATA-MOURA, 2018, 2012-213). “A “objectividade” é transcendentalmente constituída no seu teor determinado – não por capricho arbitrário de cada um – desde os níveis elementares da sensibilidade até os “conceitos puros” da função sintética do entendimento”, no campo de uma consciência partilhada pelos seres racionais (BARATA-MOURA, 2018, 214).

Até aqui temos um importante registo acerca do aparecimento do problema da verdade em Kant e em Marx:

Kant – A verdade como “adequação”

Marx – a verdade como “correspondência”

A verdade emerge apenas no plano do “juízo” enquanto “adequação” ao objeto a que se reporta (BARATA-MOURA, 2018, 208-209)

Ou ainda: “Conhecimento com verdade supõe “verdade transcendental”, no sentido de que uma constituição transcendental do objecto em geral é condição indispensável para o escrutínio de qualquer conhecimento dado em termos de verdade material, ou seja: da sua adequação ao objeto da experiência determinado.” (BARATA-MOURA, 2018, 214).

No contorno materialista em que Marx situa o seu enfoque ontológico, “verdade objectiva” denota a correspondência do subjetivamente pensado – num processo dialético de interações que nada têm de automatismo linear – com a materialidade do ser.

[...] não se trata apenas da consistência do pensado com o pensado (da lógica coerente de um discurso), ou da “tonalidade” subjectiva do assentimento que acompanha aquilo que se pensa (o respeitável cuidado pela certeza).

“[...] no que diz respeito à verdade objectiva, é imprescindível não perder de vista aquilo que na sua determinação é determinante. (BARATA-MOURA, 2018, 207)

 

Neste trânsito pelo modo como Kant apanha o problema do conhecimento e encaminha os limites da possibilidade do conhecimento verdadeiro, Barata-Moura recupera a questão fundante que resta Não resolvida: “Como se passa do “pensar que as coisas são assim” ao registo material de que “as coisas assim são”? E nos desafia: “Há quem pense que ficar na “teoria” (por exemplo, com a experiência) basta. Marx, como veremos, vai dizer que não chega(BARATA-MOURA, 2018, 214-215).


3.        Parágrafo 3 – Para Marx, “a verdade objectiva devém “uma questão prática” (BARATA-MOURA, 2018, p. 215). Aqui, Barata-Moura desta: (i) a verdade não está alojada na teoria; (ii) em Marx, “uma questão prática é ofício de transformação material”, e, desta forma, “[...] não se resume a um protocolo de “experiência”, a qual, enquanto observação empiricamente verificada, permanece submetida aos regimentos de teoria” (BARATA-MOURA, 2018, 215).

Destaca como o tema da prática em Feuerbach aparece limitado à experiência subjetiva a-histórica:

A “questão do ser, para Feuerbach – e, designadamente, nesta passagem -, remete, de facto, para a existência objectiva do real, candidamente identificado, no entanto, com a realidade do sensível, isto é, com aquela modalidade do aparecer ôntico que supõe, enquanto condição do seu re-conhecido estado de independência, um ser humano frente ao qual resiste e que hospitaleiramente o acolhe” (BARATA-MOURA, 2018, 216).

Para F., “o ser devém uma questão prática” porque, “na sua materialidade, entra na órbita de um interesse vital” (BARATA-MOURA, 2018, 216-217).


4.        Parágrafo 4, Barata-Moura desenvolve a explicação da opção pela tradução de “Diesseitigkeit” como “citerioridade” (BARATA-MOURA, 2018, 220-227).


5.        Parágrafo 5: Aborda o problema da “provação” do conteúdo da verdade (BARATA-MOURA, 2018, p. 228-238). Examina “as duas articulações fundamentais que nos passam a ser apresentadas”, que tratam” da “conexão real (objectiva) daquilo que subjetivamente é conhecido no conhecer, e a mediação prática dos dispositivos de prova quanto ao acerto do assertado” (Grifos em negrito, meus, BARATA-MOURA, 2018, 228). Expõe:

“A verdade” de um pensamento consiste na capacidade que lhe seja inerente de – na forma subjectiva que assume – dar conta da “realidade [efectiva]” dos conteúdos que pensa, isto é, do seu efetivo “poder” para tornarem inteligível aquilo que na interrogação se questiona.

A unidade material do ser – que uma ontologia materialista tem por esteio – funda a comensurabilidade do pensar e do real que o transcende, mas não garante, só por si, automatismo fatal à adequação concreta do reflexo concebido.

O processo epistemológico dispõe de uma esfera própria de dialéctico exercício: não é uma decorrência mecânica do observar passivo de alteridades que se nos impõem, mas também não constitui um andaime engenhoso de adivinhações acerca de um ser que principalmente sempre escapasse, em virtude de alguma irremovível “estranheza” decretada.

Compreender a verdadeira natureza – lábil, na sua relacionalidade interactiva, mas materialmente fundada – deste teatro de operações, em permanente estaleiro de obras, torna-se, por conseguinte, um requisito capital na montagem e na condução dos procedimentos.

É possível conhecer as realidades em devir, mas o conhecimento não dispensa a fadiga dos trabalhos. Tanto no nível da inquirição pelo estudo, da descoberta posto a nu, e do pensar concebente que das concreções subjectivamente se apropria, como nos tabuleiros daquela comprovação que mede o alcance efectivo – “o poder” – da inteligência teoreticamente alcançada” (BARATA-MOURA, 2018, 216-217).

Recupera, então o debate que Engels trava com “as posições que nos interditam a possibilidade de um conhecimento do mundo”, no qual a prática (como experimento e indústria] que viabiliza a prova  da correção “de nossa concepção de um processo natural, fazendo-o a ele próprio nós, produzindo-o a partir das suas condições, fazendo-o acima de tudo, servir finalidades nossas, põe-se fim a inapreensível “coisa em si” de Kant” (BARATA-MOURA, 2018, 231-232). Destaca Barata-Moura eu experimento não se confunde com experiência (BARATA-MOURA, 2018, 232). (LER JUNTOS).

 

No Parágrafo 5: do desenvolvimento da explicação sobre a tese 2 de Marx, Barata-Moura enfrenta, no âmbito do problema do conhecimento, o problema da “provação” da verdade, nos dois aspectos que o problema apresenta (BARATA-MOURA, 2018, 228):

-      “conexão real (objectiva) daquilo que subjetivamente é conhecido no conhecer, e

-      a mediação prática dos dispositivos de prova quanto ao acerto do assertado” (Grifos em negrito, meus).

Argumenta:

               I.                  A verdade de um pensamento consiste na capacidade que lhe seja inerente de (na forma subjetiva que assume), dar conta da realidade dos conteúdos que pensa, isto é, do seu efetivo “poder” para tornarem inteligível aquilo que na interrogação se questiona (BARATA-MOURA, 2018, 228);

            II.                  Não é só por partir da “unidade material do ser”, que a verdade está dada. O problema do reflexo na consciência refletir efetivamente o que há fora da consciência é mais exigente!

         III.                  “O processo epistemológico dispõe de uma esfera própria de dialéctivo exercício: não é uma decorrência mecânica do observar passivo de alteridades que se nos impõem, mas também não constitui um andaime engenhoso de adivinhações acerca de um ser que principalmente sempre escapasse, em virtude de alguma irremovível “estranheza” decretada” (BARATA-MOURA, 2018, 228);

        IV.                  Compreender a verdadeira natureza (materialmente fundada) deste teatro de operações, em permanente estaleiro de obra, torna-se [...] requisito capital na montagem e na condução dos acontecimentos (BARATA-MOURA, 2018, 229-230);

           V.                  “É possível conhecer as realidades em devir, mas o conhecimento não dispensa a fadiga dos trabalhos” (BARATA-MOURA, 2018, 229-230). Não “dispensa a fadiga dos trabalhos”, TANTO “ao nível” da “inquirição pelo estudo”, da “descoberta do posto a nu” e do “pensar concebente que das concreções [o fora] subjectivamente [o dentro da consciência] se apropria”, QUANTO “nos tabuleiros daquela comprovação que mede o alcance efetivo – “o poder” da inteligência teoreticamente alcançada” (BARATA-MOURA, 2018, 229-230);

        VI.                  Para Barata-Moura nesta segunda tese, “Marx esboça-nos aqui, de facto, traves mestras de um enfoque materialista” (BARATA-MOURA, 2018, 230);

     VII.                  Recupera em Engels (Ludwig Fuerbach e a saída da filosofia clássica alemã), “o contexto (onto-gnosiológico e accional) de implantação desses debates” (BARATA-MOURA, 2018, 230). Comenta: “Defrontando as posições daqueles que (colhendo a inspiração em Home e Kant) nos interditam “a possibilidade de um conhecimento do mundo” [...] posto que somente os dados imediatos”, ou os “constructos”, da “consciência” representativa nos seriam acessíveis, Engels afirma:

A mais contundente refutação desta [mania de nos vedar o acesso ao real], como de todas as outras tinetas filosófica [...], é a prática, a saber: o experimento e a indústria. Quando nós podemos provar a correcção da nossa concepção de um processo natural, fazendo-o ele próprio nós, produzindo-o a partir das suas condições, fazendo-o, acima de tudo, servir finalidades nossas, põe-se fim a inapreensível “coisa em si” de Kant” (Engels, citado por BARATA-MOURA, 2018, 229-232).

  VIII.                  Barata-Moura aprofunda e precisa: (i) não confundir “o experimento” com “a experiência” (BARATA-MOURA, 2018, p. 232); (ii) nem tomar a prática como sinônimo de “experienciação[1]” (BARATA-MOURA, 2018, p. 232). Neste processo, Barata-Moura passa a distinguir o experimento da experiência:

A experiência

O experimento

“ocorre no marco “teórico” de uma consciência que deixa “o mundo das coisas” intacto” (BARATA-MOURA, 2018, p. 232-233).

O critério de verdade não é “ver” (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

“constata um fato” [...] mas não opera as transformações que, no decurso de um processo – formando ou remodelando uma materialidade objectiva – confirmam a correção de um pensamento, e traduzem o “poder” produtivo que ele é susceptível de nortear (BARATA-MOURA, 2018, p. 235).

“A empiria da observação somente nunca pode provar suficientemente a necessidade. Depois disto não é, porém, por causa disto” (ENGELS, citado por (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

O problema aqui é minha experiência atesta que acontece, entretanto, atestar que acontece não é o mesmo que demonstrar como acontece.

“intervém materialmente numa produção de coisas, transforma o “estado” em que elas se apresentam, vindo subsequentemente o resultado a poder tornar-se o termo visado numa “verificação” empírica” (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

O critério de verdade é fazer (Prática – transformação material) (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

[...] prova da necessidade reside na actividade humana, no experimento, no trabalho: quando eu posso fazer o depois disto, isso, este fazer, torna-se idêntico com o por causa disto. (BARATA-MOURA, 2018, p. 235).

 

Provar a verdade de um pensamento “na prática” não é apenas atestar empiricamente uma determinada “factualidade” vigente que lhe corresponda, que ele reflicta em moldes de correção experienciada. A “prova” prática de um pensamento verdadeiro requer operações transformativas, através das quais a verdade que ele comporta, e enuncia, se materializa de formas de realidade que com ele convêm” (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

[...] não baralhar aquilo que a prática opera com aquilo que a observação empírica mostra, diluindo pela mistura o constitutivo momento de diferença que entre estas duas atitudes humanas no atender ao mundo subsiste, e que se revela determinante na compreensão do sentido materialista dialético que à abordagem dos problemas está aqui a ser imprimido (BARATA-MOURA, 2018, p. 233).

A verdade é uma questão prática, mas nada tem a ver no pensamento de Marx e Engels com a experiência. Nestes autores, é a transformação material da realidade - na forma do experimento, do teste - que está em questão, uma transformação material da realidade orientada por uma teoria sobre agir assentada no conhecimento prévio da realidade,.

Quando Marx define no Capítulo V de “O Capital” se torna evidente aquilo que é a prática naquele sentido do trabalho (indústria) e do experimento: “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade” (MARX, 1989, p. 202). Esta possibilidade de projetar uma ação não decorre da simples experiência de já ter visto isto ocorrer antes, mas do profundo conhecimento sobre como a ação sobre a natureza orientada por um determinado conhecimento sobre como operar sobre ela, resulta em alteração efetiva conforme o projeto que se tinha em mira.

O ser – do qual se busca uma compreensão científica – não está apenas defronte colocado como uma ex-orbitante “alteridade” intocada. Integra, e com-porta, enquanto ingrediência material objectiva, todo um viver histórico e socialmente entretecido de transformações” (BARATA-MOURA, 2018, p. 238).



6.                         O Parágrafo 6 pontua que “[...] a citerioridade do pensar não se reporta somente à condição mundana dos objetos, sobre os quais ele [o pensar] se debruça [...], [a citerioridade] permite, “na prática” [...] “aferir da realidade [efetiva]” – ou seja, da correcção com uma contrapartida real – dos produtos teoréticos resultantes das suas elaborações [das elaborações do pensar]” (BARATA-MOURA, 2018, p. 238). O suposto basilar para a aferição do pensar é que este dispõe como território de implantação o aquém (BARATA-MOURA, 2018, p. 241). Completa: “Pensamos o real, de dentro do real, e no horizonte de uma actividade que no seio das realidades desenvolvemos” (BARATA-MOURA, 2018, p. 241). O pensamento constitui uma função real, materialmente enraizada, e no seu devir histórico situada (BARATA-MOURA, 2018, p. 241). O pensar não pode ser desligado da prática [...] porque se encontra montado por um viver que é ele próprio constitutivamente prático. (BARATA-MOURA, 2018, p. 241). “A consciência não pode ser outra coisa senão o ser consciente, e o ser dos seres humanos e o seu processo real devida” (BARATA-MOURA, 2018, p. 241).


7.                         O Parágrafo 7 trata do problema de “um pensamento que esteja isolado da prática [que] carece [...] de uma realidade efectiva para os ideatos que confecciona” (BARATA-MOURA, 2018, p. 242). Mas este mesmo ““isolacionismo” compulsivo de que [...] enferma requer também entendimento quanto às razões práticas, materiais, que o sustentam e conduzem” (BARATA-MOURA, 2018, p. 242). Barata-Moura destaca que “[...] não é porque uma dada doutrina se define como eximindo-se do seu condicionalismo material e histórico que ela efectivamente dele se encontra livre” (BARATA-MOURA, 2018, p. 242). Não basta censurar o intento do divórcio do pensar com o mundo real de onde se pensa. São necessários “[...] a investigação e o estudo das condições, e dos processos, que permitem compreender a recorrente tomada desses gaseificados [seráficos vapores] caminhos” (BARATA-MOURA, 2018, p. 242).

“A realidade efectiva mede-se pela materialidade do real, e não pela ideialidade objectual dos ideatos na consciência” (BARATA-MOURA, 2018, p. 243). “[...] não há pensar [...] que não esteja humanamente montado sobre a prática constitutiva de um viver(BARATA-MOURA, 2018, p. 242). Isto “não assegura” ao pensar “uma fidedignidade “mecânica”, [...] mas obriga [a quem estuda este pensar] a uma cuidada atenção ao exame crítico na desmontagem dos “mecanismos”” (BARATA-MOURA, 2018, p. 243).

Quero citar como exemplo a análise de Engels sobre Feuerbach.

“O materialismo de Feuerbach” encontra-se “dirigido contra a hegeliana primazia atribuída a um “pensar”” (BARATA-MOURA, 2018, p. 248). “Para Marx a, uma questão torna-se “escolástica”, certamente, quando a própria materialidade do ser é desatendida. So que esta materialidade não se reconhece por uma troca da consciência “pensante” pelos protocolos de uma consciência sentinte” (BARATA-MOURA, 2018, p. 248).


8.                         No Parágrafo 8 Barata-Moura anota que, para Marx, “[...] qualquer questionamento sério acerca da realidade efectiva do pensar começa por exigir uma colocação materialista dialéctica do problema em bases ontognosiológicas sólidas, que permitam uma lida eficaz com ele [o problema da realidade efectiva do pensar], inclusivamente, no tocante à miudeza dos seus meandros” (BARATA-MOURA, 2018, p. 249). Destaca que rondava o tempo o problema da “realização da razão”. Superando os limites da questão em Hegel, no âmbito dos debates do tempo, aparecia o problema “a ideia tem que se realizar na realidade [efectiva]” (BARATA-MOURA, 2018, p. 249). Barata-Moura acompanha a forma com Hegel pensa a questão, e o deslocamento da questão pelo pensamento dos jovens hegelianos [Gans, Strauss, Feuerbach, Hess, Bauer, Ruge, Heine].

Barata-Moura acompanha cuidadosamente em Marx, destacando que “o tema da “realização” da razão [no pensamento dele] é perceptível” em um conjunto de obras que Barata-Moura mapeia e cita entre as notas 135-141 entre as páginas 265 e 268, para ir mostrando o amadurecimento ontológico, político e prático do problema a partir de um novo fundamento (BARATA-MOURA, 2018, p. 265-268).

Anota em síntese que para Marx, as teses vêm clarificar o reposicionamento dos problemas numa base e num horizonte dialectico materialista” (BARATA-MOURA, 2018, p. 268). “Não basta a teoria mesmo corretamente fundada”. Não basta o pregão da accionalidade. Importa o caráter materialmente transformador da prática (BARATA-MOURA, 2018, p. 268). A questão será trabalhada particularmente em Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel... e A sagrada família (BARATA-MOURA, 2018, p. 268).


9.                         No Parágrafo 9, arremata: “No plano da teoria , não é possível decidir a questão da verdade objectiva que um determinado pensamento possua”. “[...] porque essa verdade diz respeito a estados de coisas e processos materiais”, não tratando apenas “da coerência lógica das ideias”. “A verdade objetiva de uma teoria mede-se na prática, no poder que ela revela de transformar realidades” (BARATA-MOURA, 2018, p. 269).

O critério da verdade é a materialização da transformação; não consiste na mera “constatação” (ainda que empiricamente dada) de que um determinado facto ou processo ocorreu.

Aquilo que prova é a feitura, e não apenas a consciência que se tem dela. E este constitui o registro decisivo. (BARATA-MOURA, 2018, p. 269).

[...] o marxismo [...] [é] uma concepção que, a partir da materialidade dialectica do real, o procura compreender teoricamente [...] e transformar praticamente num sentido revolucionário [...] (BARATA-MOURA, 2018, p. 269-270).


[1] ato ou efeito de experienciar, de viver e sentir algo de forma pessoal e direta

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